domingo, 31 de março de 2013

Ourense - Oseira (28 km) Via de la Plata


"As surpresas esperam-nos em cada curva do caminho e quando menos esperamos alguém nos oferece um rebuçado, nos pede uma oração ou nos dá palavras de alento."

A alvorada foi dada muito cedo e não precisámos de esperar pelos nossos despertadores, o som dos Beirut num telemóvel de outra peregrina acabou de nos acordar. Vestimo-nos rapidamente, arrumámos as mochilas e descemos para comer o pequeno-almoço que tínhamos comprado no dia anterior.

A cidade de Ourense recebia as primeiras luzes matinais quando contornámos a velha catedral e assistimos à lavagem das ruas cheias de lixo e copos de vidro da noite anterior. Algumas pessoas embriagadas ofereciam-nos espetáculos degradantes e as ruas tinham muito encanto ainda a dormir. Quem queria tomar café é que tinha de esperar um pouco mais até que algum estabelecimento abrisse. Atravessámos a enorme ponte romana sobre o Rio Minho. Dali viam-se outras pontes, uma delas muito moderna, cheia de ondas onde as pessoas podiam passear.
Depois tivemos de escolher o caminho a seguir, já que ele se bifurcava. Optámos pelo mais longo e menos íngreme, mas ninguém percebeu porquê pois mesmo assim subimos a pique e não imaginávamos como seria o outro subindo ainda mais. Antes disso, parámos num café que já estava aberto e quem tomou café ficou surpreendido com os croissants oferecidos com as bebidas.

À medida que íamos subindo, o cansaço ia-se manifestando e a chuva era uma constante, mas a paisagem e o companheirismo compensavam tudo. A verdade é que nos íamos conhecendo mutuamente e o espírito de grupo nascia com o dia. O bom humor vencia todos os obstáculos, a água nos caminhos e o mau tempo eram elementos que não nos assustavam.
As aldeias iam-se sucedendo umas às outras e já apetecia parar para descansar depois de já estarmos há algumas horas a caminhar. Isso aconteceu em Tallamanco, onde por sorte apanhámos uma aberta e se vislumbraram uns raios de sol. Houve quem aproveitasse para ir a um bar à casa de banho e quem se deitasse no chão com as pernas ao alto e quase todos quiseram sacar a merenda e comer alguma coisa. Cruzou-se connosco um outro peregrino que se alegrou com a nossa presença pois éramos os primeiros peregrinos de Santiago com quem se cruzava. Não havíamos de nos voltar a cruzar com ele.
Seguimos caminho, uns mais à frente e outros mais a trás, observando sempre as setas amarelas. Muitos quilómetros mais à frente, quando estávamos quase a chegar a Cea, encontrámos um grupo numa esplanada que nos saudou e se apresentou como peregrinos que vinham já desde Sevilha. Já em Ourense tínhamos conhecido a Anna, uma alemã que vinha a pé desde Sevilha. Eles trocaram algumas impressões connosco e desejaram-nos bom caminho. Tinham ótimo aspeto e seguimos caminho convencidos que tinham estado a gozar connosco.

À entrada de Cea vimos um homem a apanhar um pato no rio, a Xana pediu-lhe indicações para o albergue e percebeu que era ele o responsável. Levou-nos até lá e deixou-nos descansar e aquecer. Pediu ajuda para prender o pato, mas passado pouco tempo o animal desprendeu-se e fez cocó, mas o homem não desistiu e voltou a prender o pobre bicho. Decidimos fazer mais alguns quilómetros nesse dia até ao Mosteiro de Oseira, como ali seria difícil comprar comida e era domingo, optámos por almoçar em Cea e guardar a comida que tínhamos preparado para o almoço para o jantar.
Fomos ao Pintarollo e o nosso amigo Gui revelou-se uma verdadeira “Lenda Galega”. Serviram-nos tapas de presunto, chouriço e queijo à descrição e 2 tortilhas frescas. O pão de Cea era um verdadeiro pitéu. Saímos reconfortados.
Embora cansados, seguimos com coragem pela estrada nacional até Oseira. Foi difícil, alguns de nós já tinham bolhas nos pés e o cansaço causava dores.

À chegada, encontrámos um cenário inacreditável, um mosteiro cisterciense milenar arregalava-nos o olhar. Ali estava a simplicidade, o encontro e a eternidade disponíveis para quem quisesse juntar-se aos monges na oração de Vésperas. Foi a primeira grande surpresa do caminho. Um grande sinal da paz e verdade que existe dentro de cada um de nós e que muitas vezes vamos procurar longe.
Dormimos ali mesmo no mosteiro, apesar do frio, o cenário proporcionou-nos uma experiência única.

Nota: Fotos de Pedro Costa

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